Sabe-se que a escravidão esteve presente desde os primórdios da civilização ocidental. Em Atenas e Roma, por exemplo, a escravidão era a relação de trabalho mais presente. Na Idade Média, apesar de não ter desaparecido por completo, foi muito escassa. A servidão foi a relação de trabalho clássica do feudalismo. Estudaremos agora porque do Estado português fez renascer, não a escravidão, mas o escravismo em grande escala.
Bem, eis aí um tema que, ainda hoje, gera muitas controvérsias entre os historiadores. Um dos primeiros aspectos é perceber que esse escravismo lusitano não é continuidade do escravismo antigo nem o do feudal. Este, como já se disse, era escasso e, de acordo com alguns historiadores, uma forma de trabalho secundária na Idade Média e também em vias de extinção.
Nesse caso, vamos primeiro tentar compreender porque se utilizou a escravidão como regime de trabalho no Brasil, independente se era indígena ou negra, mas porque o trabalho escravo, e não o trabalho livre, por exemplo, serviu de base para a colonização.
A utilização de escravos no Brasil não foi a primeira experiência portuguesa nesse sentido. Quando da sua expansão pelo litoral africano, em que praticavam o comércio de vários produtos, consta que Antão Gonçalves, em 1441, retornou a Lisboa com meia dúzia de africanos capturados na costa do Saara. A partir daí, os aprisionamentos se intensificaram.
" De acordo com os cálculos do historiador inglês Charles Boxes, o número de escravos capturados pelos portugueses na África de 1450 a 1500 ficou em torno de 150 mil".
Observe que esses números são anteriores ao descobrimento do Brasil. Ou seja, já era considerável o número de escravos comercializados por Portugal antes mesmo da chegada ao Brasil. Além de servir de força de trabalho o escravo era também utilizado como mercadoria. Interessante é que, já naquela época, dizia-se que a falta de liberdade e todas as agruras que o escravo sofria eram compensados pela sua "salvação espiritual", argumento esse que vai perdurar e se fazer bem presente no Brasil.
Além da justificativa para a escravidão, outros elementos que irão compor a realidade brasileira de colônia já existiam bem antes, é o caso de traficantes, proprietários de escravos, o próprio escravo - como força de trabalho e mercadoria - e até mesmo a lavoura canavieira, que existia nas ilhas do Atlântico africano - Madeira e Açores, por exemplo. De certo modo, é como se o Brasil fosse a projeção futura e ampliada de uma realidade preexistente.
Foi feito um pequeno histórico da escravidão portuguesa. Mas não só isso. Observa-se que os portugueses já comercializavam açucar e escravos. A colonização do Brasil seguiria essa lógica. Mas a grande dúvida é: Por que o uso do escravo?
Bem, os historiadores divergem quanto às explicações. Umas das mais difundidas fala que a lucratividade da produção açucareira dependia da existência de uma mão-de-obra quase sem custo, onde as pessoas trabalhassem muito e não recebessem quase nada por isso. Outra explicação para a não utilização de mão-de-obra livre era a que camponeses europeus não iriam se dispor a atravessar o Atlântico para ter uma vida ainda pior da que levavam na Europa. Além disso, com terras abundantes por aqui, trabalhadores livres poderiam abandonar as plantações para dedicar-se à pequena agricultura, o que contrariaria as necessidades de Portugal e dos senhores de engenho.
ESCRAVIDÃO DE ÍNDIOS
Nos primeiros tempos de exploração do pau-brasil, o índio não foi escravizado. A madeira era obtida através do trabalho indígena, mas em troca de objetos que despertassem interesse dos nativos, como espelhos, colares, enxadas, machados, etc. Mesmo que o ritmo de trabalho dos indígenas fosse lento demais e incompreensível para os portugueses ávidos por lucros, pode-ser dizer que as relações eram satisfatória para os lusos.
As coisas começaram a mudar com a colonização. Quem iria se submeter as condições desumanas de trabalho, necessárias a tocar pra frente a produção açucareira ou mesmo trabalhar nas vilas que começavam a aparecer pelo litoral? Ora, de boa vontade ninguém iria se submeter a isso. Por isso, iniciava uma nova relação entre brancos e índios: a aquisição de prisioneiros de aldeias próximas para serem transformados em escravos. Observe, os primeiros escravos indígenas eram "comprados" de aldeias indígenas vizinhas. Eram chamados de "índios de corda". Com a necessidade de trabalhadores aumentando, a pressão para que grupos de indígenas aliados obtivessem mais cativos também aumentava.
Com o passar do tempo, as relações entre colonos e nativos foram se deteriorando. É que à medida que a colonização se expandia e o abastecimento de índios de corda se tornou insuficiente, os propósitos colonos passaram a investir até contra os aliados. A estratégia que os colonos passaram a utilizar para obter cativos eram as mais diversas, como os saltos, em que os nativos eram convencidos a subir nos navios a pretexto de observar mercadorias atraentes, Estando a bordo, eram feitos prisioneiros e vendidos nas capitanias.
A violência contra os indígenas os levou a resistir, atacando as comunidades de colonos do litoral. A Coroa vendo nisso um risco para o sucesso da colonização, instituiu Tomé de Souza a coibir os "saltos" e outras violências contra os indígenas. Ocorre que a colonização dependia dos braços escravizados. Por isso a Coroa não podia simplesmente impedir a escravização do nativo. A solução foi permitir que fossem aprisionados apenas os verdadeiros "índios de corda" ou aqueles capturados nas guerras justas, que eram autorizadas pela Coroa. As guerras justas deveriam ser feitas em legítima defesa, contra grupos que fossem consideradas uma ameaça aos colonos.
Através delas, inúmeras sociedade indígenas foram tornadas escravas. Veja, como os índios conheciam a agricultura, os portugueses avançavam sobre essas terras, que eram terras apropriadas para o cultivo da cana, por exemplo. Se os índios reagissem, essa resistência acabava servindo de pretexto para a organização de "guerras justas" que, como se vê, de "justas" não tinham nada.
Outra formas de obtenção de mão-de-obra indígena eram os "resgates", que consistiam na "troca" ou captura de um ou mais prisioneiros que estavam destinados a morte certa nos rituais de antropofagia.
A importância da escravidão indígena é maior do que normalmente consta nos livros didáticos. Ela não existiu apenas no início da colonização. Mas conviveu até no mesmo espaço, com a escravidão negra africana. Foi através dela que se implantou a produção açucareira, com sucesso para os portugueses. E mesmo depois da introdução do negro, o índio continuou sendo utilizado largamente. No Nordeste, somente no século XVII é que o número de escravos negros superou o de indígenas. No Rio de Janeiro e em São Vicente, o índio só foi amplamente utilizado até o século XVIII. Na Amazônia, incluindo aí o Maranhão, o índio era mão-de-obra básica até o século XIX, mesmo sendo escravizado ilegalmente. Ou seja, não houve, como normalmente se aprende, a substituição pura e simples do índio a partir da chegada do negro. Perigosa também é a afirmação de que o índio não se adaptou a escravidão e o negro sim. Escravidão não se impõe por aptidão ou disposição de quem é escravizado. E sim pela violência.
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